domingo, 25 de setembro de 2022

O amor convertido em voto para curar o ódio bolsonarista

 

Ao final da entrevista que concedeu no Programa do Ratinho, no SBT, dia 22 de setembro, Lula pediu aos eleitores que comparecessem às urnas para nelas depositar amor e esperança na forma de voto. Por que um candidato ao maior cargo eletivo do país se preocuparia em invocar o amor no ato de votar? Amor é um sentimento necessário para a consecução de um projeto político de país? A resposta, sem sombra de dúvida, é sim; o amor é essencial em todas as relações humanas e, em especial, o Brasil necessita e clama desesperadamente pelo retorno do amor ao seio de nossa sociedade.

A invocação do amor se torna necessária nessa eleição porque, na anterior, em 2018, infelizmente a maioria do eleitorado optou pelo candidato do ódio. Eleito, a defesa do ódio e da violência alcançou a principal vitrine política do país, a presidência da república, com todas as condições políticas e técnicas favoráveis que disso decorrem. A partir daí, para surpresa de ninguém, iniciou-se uma escalada na discórdia, na violência e no armamento.

Materialmente, isso se traduziu em naturalização gradual de ocorrências que antes eram consideradas perturbadoras. Ferir e matar o adversário político, ao que parece, tornou-se lugar-comum, não mais uma causa de horror. Grande parte da sociedade brasileira foi acometida de um desvio psicológico coletivo, quase uma histeria, causadora de distorção no espectro ético-moral que orienta opiniões e ações.

sábado, 17 de setembro de 2022

Eleitores nem-nem e indecisos não podem ir para Paris

No momento em que escrevo (17/09/2022) faltam 14 dias para a eleição. A média das pesquisas mais recentes e idôneas indicam, grosso modo, que Lula está próximo de 50% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro passa um pouco de 30%, com Ciro e Tebet disputando o 3º lugar, somando ambos cerca de 12% do eleitorado.

Uma leitura das pesquisas mais elastecida no tempo, todavia, demonstra que, ao longo do último ano, repetidamente Lula apresenta um percentual bastante próximo de 50% dos votos válidos, um pouco aquém ou um pouco além, estando a vitória no 1º turno invariavelmente próxima dos limites da margem de erro. Assim, embora haja uma sinalização da possibilidade de que a decisão final seja carregada para o 2º turno, igualmente indicam que qualquer espirro eleitoral em seu favor determinará a vitória de Lula no 1º turno. Em outras palavras, a possibilidade de vitória no 1º turno está na caixa de Schrödinger fazendo companhia ao gato. As chances de ocorrer ou não são equivalentes.

Justamente em função dessa proximidade, com chance real de pôr um fim no mandato do atual presidente logo no 1º turno, as redes sociais entraram em polvorosa, com eleitores e simpatizantes da candidatura do ex-presidente pressionando os eleitores, principalmente os que se inclinam a votar em Ciro Gomes, para que adiram ao voto útil em Lula, assim pondo um ponto final precoce no bolsonarismo no poder. O motivo pela preferência pelos eleitores de Ciro é que, em princípio, são considerados eleitores de esquerda, portanto, contrários a Bolsonaro. Tebet e a maioria dos demais candidatos que apresentam mais do que traço nas pesquisas, ainda que tenham adotado um discurso de oposição, estiveram até recentemente com os pés atolados no bolsonarismo, o que, em princípio, implica serem adeptos do mesmo modelo, talvez apenas um pouco menos fétido.

O bolsonarismo sem Bolsonaro

    

    Obs: Texto publicado primeiramente no jornal GGN, em 16/09/2022

    Há um ano as pesquisas eleitorais vêm, consistentemente, indicando que os eleitores brasileiros não renovarão o mandato do atual presidente. Contudo, é preciso adotar a máxima cautela. A eleição somente se vence após a contagem dos votos. O próprio primeiro mandato de Bolsonaro recomenda essa precaução. Além disso, uma vitória sobre Bolsonaro não significa exatamente vencer o bolsonarismo. Vejamos.

    Nos idos de 2016 e 2017, Bolsonaro surge como candidato a presidente vindo do ponto mais profundo das entranhas do baixo clero do parlamento federal, no qual integrava o chamado "centrão", bancada composta por deputados de diversos partidos distintos, todos sem expressividade política individual na Câmara, mas que juntos, legislatura após legislatura, desde a constituinte de 1988, usam a força conjunta de seus votos, e o consequente potencial de travar os projetos do Executivo, para chantagear todos os presidentes eleitos desde então.

    Parlamentar absolutamente medíocre, com um índice de atuação aquém do desidioso, tendo apenas um par de leis de sua iniciativa aprovadas em 30 anos de atividade parlamentar, mesmo essas sendo desimportantes para o povo, conseguiu a incrível façanha de se apresentar como novidade política e vender-se como capaz de comandar a então 8ª economia do mundo. O ditado da raposa se candidatando a cuidar do galinheiro nunca fez tanto sentido.

Lula não é anticristo, nem bicho papão

Obs: Texto publicado primeiramente no jornal GGN, em 29/08/2022.

O que exatamente as pessoas imaginam ser uma “família feliz”?

Abordo o tema em função do excelente artigo É preciso falar com os evangélicos1, da socióloga Esther Solano, publicado na Carta Capital e objeto de matéria no GGN, cuja leitura é altamente recomendada. No artigo, Solano pontifica sobre a necessidade de estancar o “pânico moral” que a equipe e os simpatizantes de Bolsonaro induzem diuturnamente no seio do eleitorado evangélico, vendendo a ideia de que Lula e o PT são uma ameaça à família.

Segundo Solano, precisamos nos esforçar para convencer o povo cristão que ainda conserva a capacidade de reflexão, ou seja, a maioria que não é bolsonarista-raiz, de que o discurso que coloca Lula na condição de ameaça à família é uma falácia, uma fraude. Não é uma tarefa fácil, pois, em grande medida, a disseminação do pânico moral anti-Lula parte de pastores evangélicos, principalmente os mais raivosos, que costumam misturar política com religião e transformar seus púlpitos em palanque, desonrando a memória de Cristo. Trata-se de demonstrar a má-fé justamente daqueles em quem os evangélicos deveriam confiar plenamente. Não merecem essa confiança e direi por quê.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Derrota e fuga de Bolsonaro: que sonho incrível!

A ascensão do bolsonarismo ao poder foi a coisa mais deletéria a acontecer com o país desde a ditadura militar. Num país que vinha, desde o governo Collor, aos poucos se afirmando perante o mundo e se colocando como modelo em termos de respeito às instituições democráticas, nas pautas igualitárias, na gestão dos recursos ambientais e na mitigação da desigualdade social, a eleição de um representante do pensamento protofascista bolsonariano foi um balde de água fria e uma frustração política gigantesca.

O representante máximo do bolsonarismo, ora presidente, é uma figura política grotesca que dificilmente encontra comparação no Brasil e no mundo. Seu pensamento é medieval, absolutista. Contra o Estado laico1, defende a prevalência da visão religiosa também no plano político. Essa visão teocrática, dogmática e indiscutível por natureza, é exatamente o que ocorria no passado e ainda ocorre atualmente, como são exemplo os países muçulmanos.

O pensamento bolsonariano é, antes de tudo, em sua essência, antidemocrático. A vida toda Bolsonaro pregou que, eleito presidente, daria um golpe no dia seguinte, fechando Congresso e Supremo, os dois outros poderes da república. Em outras palavras, tornaria-se um ditador. Por isso mesmo, nenhum eleitor do bolsonarismo pode afirmar-se democrata, pois se utiliza da democracia apenas para a ela pôr fim, destruindo as liberdades civis.

Embora tenha se tornado um certo lugar-comum, não há como falar da ameaça bolsonarista sem indicar o nazismo alemão como exemplo das possibilidades. Afial, trata-se do mais importante modelo histórico negativo do que pode decorrer da omissão ou pouco-caso de cidadãos e eleitores com políticos de orientação despótica que manejam o discurso moralista cristão para alavancar seus projetos de dominação. Hitler e o nazismo não teriam matado milhões de judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias políticas se os alemães brancos e cristãos tivessem repudiado, desde o nascedouro, essa excrescência política. Em seu livro autobiográfico, escreveu Hitler2:

domingo, 21 de agosto de 2022

Invasão da Ucrânia, guerras híbridas e o retorno da guerra fria

 

Immanuel Wallerstein, sociólogo norte-americano autor do livro O Declínio do Império Americano, sustenta que a sociedade humana está no limiar de uma profunda alteração no modelo de sociedade. Segundo ele, há um esgotamento do modelo capitalista, o que conduzirá a humanidade a uma encruzilhada na qual deverá optar por um novo modelo, aparentemente com duas alternativas: (a) retorno ao regime de poder centralizado e excludente similar às monarquias absolutas e seus estamentos hereditários; ou (b) criação de uma sociedade focada na dignidade humana, com redução das diversas desigualdades (econômica, cultural, racial, sexual, etc). A primeira opção de sociedade será adotada se a narrativa dos ricos for vitoriosa, o que Wallerstein denomina de “espírito de Davos”. Caso os pobres vençam essa guerra, estabelecendo as bases ideológicas da nova sociedade, será a vitória do “espírito de Porto Alegre”. Em outras palavras, trata-se de uma guerra que poderá definir a ascensão de um modelo de sistema social opressivo, tipo medieval, ou de um sistema libertário, inovador, sem paralelos na história.

A guerra em direção à mudança do modelo socioeconômico já se iniciou há tempos, supostamente desde a derrubada das torres gêmeas americanas, em 2001. São exemplos de batalhas narrativas as primaveras árabes, as jornadas de junho de 2013, a operação Lava Jato e, agora, a invasão da Ucrânia, dentre inúmeras outras. É chamada de guerra híbrida porque, embora possa ocorrer o uso de forças armadas convencionais e seus indefectíveis armamentos, sua maior arma não são os mísseis balísticos, mas a desinformação, a distorção dos fatos, o uso da pós-verdade. O objetivo é a manipulação do pensamento de todo um povo, conduzindo-o, não somente a aceitar, mas a desejar uma mudança que lhe é desfavorável, sendo benéfica apenas ao capital.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Putin atirou no próprio pé?

 

No artigo "Putin será derrotado", Aldo Fornazieri, professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp), defende a tese, em resumo, de que, ao invadir a Ucrânia e desestabilizar a região, Putin contribui dá um tiro no próprio pé, pois fortalece a OTAN por reforçar o argumento de sua necessidade.

Como análise do "dever ser", perfeita a crítica do Aldo às ações russas na Ucrânia. Como entendimento do "é", apresenta-se um tanto poliana.

Não se sabe por quanto tempo os EUA conseguirão dar sobrevida à sua economia, mas dificilmente passará uma ou duas décadas até que desmorone por completo.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Putin abusou?

 

O lead do artigo "A guerra da Ucrânia, a mídia e os heróis e vilões da Marvel", do jornalista Luis Nassif, publicado no jornal GGN, é o seguinte:

"Com essa preparação, é possível que se chegue ao final da linha concluindo que Putin, de fato, abusou, quando ordenou a invasão.

Mas se sairá desse padrão de tratar o comandante de um dos países mais poderosos do planeta, como um mero descontrolado de boteco".

O grande "xis" da questão colocada por Nassif se desdobra no seguinte: teria mesmo Putin abusado geopoliticamente ao ordenar a invasão da Ucrânia? Havia outros meios de enfrentar o poder que se quer hegemônico dos EUA?

Ambas as respostas, segundo creio, passam pela negativa e explico.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

A elite empresária: razão e insensibilidade

 

Esqueça-se a responsabilidade social e política da mídia, o compromisso com fatos e valores democráticos, e fixemo-nos apenas no vetor negócios”.

O jornalista Luís Nassif invoca a reflexão acima no artigo “A Lava Jato e o desmonte da credibilidade da mídia”, publicado no jornal GGN. Nele, aborda-se a questão da perda, pela grande mídia, em meros quatro anos, de quase 70% dos leitores, agudizando um fato que já vinha antes, de modo mais lento, se desenvolvendo consistentemente. Segundo a inteligência da matéria, o súbito incremento da velocidade da queda se explicaria, com alto grau de certeza, pelo alinhamento acrítico e, portanto, dolosamente irresponsável, dos “jornalões” às ações ilícitas cometidas pela operação lava jato. A partir daí, a debandada dos leitores tornou-se uma avalanche montanha de credibilidade abaixo.

O presente texto objetiva responder à provocação de Nassif, ou seja, refletir sobre as motivações subjacentes de alguns poderosos empresários brasileiros que parecem gastar mais energia com questões políticas menores (pois nada há mais importante e emergente do que combater a miséria, a fome e, principalmente nesse momento histórico, fornecer saúde pública em quantidade e qualidade) do que com o sucesso dos próprios negócios. Embora Nassif tenha mirado nos donos da grande mídia, porque, claro, são os que mais se expõem justamente em função da atividade que desenvolvem, o mesmo espanto reflexivo, porém, deve ser direcionado aos demais membros da elite empresária brasileira, nossos bilionários, pois praticam ações similares com idênticos móveis subjacentes. É espantoso verificar que, embora reconhecendo o inegável direito da elite empresária possuir posicionamento político explícito, muitas gestores demonstram despreocupação com o dever de zelo pelo próprio empreendimento e, conforme o caso, pelo compromisso que tem com os acionistas na obtenção de lucro. Em lugar de guardar um distanciamento seguro dos posicionamentos políticos de alta controvérsia, emanados das diversas cores do espectro político, social e partidário, dos cidadãos, atiram-se de cabeça na guerra política, assumindo alinhamentos que se opõem, não somente ao pensamento, mas a interesses e necessidades de milhões e milhões de brasileiros e brasileiras, de todas as etnias, gêneros, credos e inclinações. Agindo assim, correm o risco de contrariar o principal objetivo empresarial, a razão de ser do próprio negócio, que é arregimentar o maior número possível de clientes. Alguns já foram alvos de boicotes explícitos dos consumidores.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Conceitos-chave para a interpretação da realidade Parte III

 


Esta é a décima parte da série “Indivíduo, sociedade e a interpretação da realidade”. Os textos possuem um encadeamento lógico, porém permitem a leitura autônoma. Os links para os que desejarem a leitura das nove primeiras partes estão disponibilizados no final do artigo. 

  • Poder

O instinto de sobrevivência induz os animais ao desejo de priorizar a própria necessidade em relação a dos demais seres vivos. Um nome plausível para essa vontade de impor ao mundo o próprio desejo é “poder”. O poder é possivelmente o elemento mais importante a ser considerado na compreensão da realidade. Dada a condição animal do ser humano, não somente carrega essa inclinação egoística, como, em função do estágio de consciência e cultura no qual se encontra, nele ela é potencializada. Pessoas poderosas já mostraram ser capazes de destruir o mundo para a satisfação da própria vontade; estiveram perto de fazê-lo em algumas ocasiões da história. O poder, porém, não está presente somente no ambiente macro. A ambição por controle é um sentimento que permeia praticamente todas as inter-relações humanas; está presente na disputa entre reinos por territórios, mas também quando mendigos competem pelo conteúdo da lata de lixo. Compreender isso é de suma importância para escapar da ingenuidade na análise quanto às motivações, a fim de extrair as camadas de fraude e hipocrisia que encobrem certas ações políticas, muitas vezes realizadas sob os falsos motes de justiça, liberdade e democracia.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Chapa Lula-Alckmin é o que temos pra hoje

 


A propósito do intenso debate acerca da possível chapa Lula-Alckmin, deve-se, primeiro, lamentar a invocação de Lula para novamente disputar a presidência do país. Após dois mandatos de sucesso, como presidente de uma das maiores economias do mundo, melhor seria que não mais retornasse a disputas eleitorais como candidato. O seu papel por excelência seria o exercício da condição simbólica de defensor da nação, interna e externamente, como um diplomata de honra, atribuição típica de ex-presidentes de grandes nações. Na verdade, ele até fez isso enquanto pôde, até o ponto em que a hipocrisia política permitiu, cessando apenas quando a atuação em defesa de empresas brasileiras, perante governos estrangeiros, foi criminosamente criminalizada, com evidentes propósitos políticos. Contudo, a conjuntura atual de fato exige a candidatura de alguém com sua estatura e ele parece estar à vontade com o retorno, de modo que de bom grado o povo a está aceitando explosivamente, como indicam as pesquisas. Segundo, estar atento à circunstância que ainda é mera conjectura. A proposta está na mesa, sendo negociada, porém sem definição até o momento. Ao que parece, Márcio França está fazendo o que pode para melar a chapa, ao fazer exigências inviáveis. 

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Ratinho merece o apelido que tem

 


Carlos Roberto Massa possui um apelido bastante curioso: Ratinho. Segundo consta, o apelido vem da infância, decorrendo do péssimo hábito que possuía de roubar as bolas de futebol dos coleguinhas. Ele diz que os meninos também o chamavam de “Feinho”, reconhecendo que era “muito feio”. Ou seja, na infância era um “Ratinho Feinho”. O apelido persistiu na fase adulta. O fato é que, de origem humilde, tornou-se milionário, atuando principalmente na comunicação (com diversas emissões de televisão e rádio) e no agronegócio.

Rico, raivoso, explorador da miséria humana e com linguajar de baixo nível, Ratinho é um típico representante do movimento neointegralista surgido com Bolsonaro, cujos “expoentes” possuem personalidade bem similar à do líder, sendo exemplos Malafaia, o véio da Havan, o deputado brucutu Daniel Silveira, o ex-presidente do PTB Roberto Jefferson e outros. Defendem, via de regra, pautas de defesa da violência policial, redução da maioridade penal, aprisionamento massivo dos criminosos, ausência de investimento em melhoramento de prisões, facilitação para o armamento dos cidadãos, combate à demonstração pública de afetos homossexuais, redução dos direitos trabalhistas e previdenciários, fechamento do STF, fechamento do Congresso, imposição de um governo militar, derrocada do ensino e da cultura, anticiência, antivacina e outras barbaridades desse naipe.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O lado negro do capitalismo e do comunismo

Tempos atrás, escrevi sobre as falhas estruturais do comunismo e do capitalismo capazes de provocar a morte de um enorme número de pessoas. Para quem estiver interessado, o texto pode ser lido aqui: O capitalismo e os mortos de fome II. Nele, admiti o horror surgido das entranhas de alguns países que adotaram o comunismo, com a morte de dezenas de milhões de pessoas. Porém, como contraponto, pontifiquei sobre a hipocrisia dos simpatizantes da economia liberal, que não conseguem enxergar a responsabilidade do capitalismo por um número tão expressivo de mortos que faz com que os regimes sanguinários costumeiramente denominados de comunistas pareçam bastante aprazíveis. Diante disso, a sugestão liberal tão em voga atualmente, “não gostou vai pra Cuba”, parece possuir um sentido diferente do pretendido...

Em minha estimativa rude e absolutamente superficial, concordo, considerei, sem exceção, todas as vítimas fatais de males provocados exclusivamente pelo imperativo de lucro, ou seja, que não existiriam se não estivesse envolvido o interesse na acumulação. Por exemplo, minha contagem abrange os mortos pela fome, o que é um item óbvio, porém também os que morrem em função do tabagismo, pois entendo-o diretamente vinculado ao interesse do fabricante de cigarros. Claro que, em tese, os cigarros também poderiam existir no comunismo, mas os números certamente seriam outros, pois dificilmente ocorreria a glamourização, pela indústria cultural, de um vício incapaz de gerar, nesse sistema, uma imensa arrecadação privada (lucro) e pública (tributo). Além disso, destaquei que as guerras, praticamente todas (as exceções são poucas e não relevantes), são produto direto das crises capitalistas, um modo vil de solucioná-las, de modo que os mortos devem ser contabilizados como vítimas do liberalismo.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Os “puxadinhos” éticos que sustentam Bolsonaro


Bolsonaro compareceu à Assembleia Geral da ONU como o único governante dos países do G20 que confessadamente não tomou vacina contra o coronavírus. Uma vergonha que manchará a história do Brasil. Não fosse presidente do Brasil, ele sequer desembarcaria em Nova Iorque, sede da ONU. A cidade exige comprovante de vacinação para o ingresso em todos os espaços fechados, como museus, bibliotecas e teatros. Claro, não seria isso que perturbaria Bolsonaro. É impensável imaginá-lo contrariado por ser impedido de visitar ambientes culturais como esses. A falta de acesso às coisas mais mundanas e superficiais é que de fato o aborrece. Coisas como não poder fazer o que quiser, como quiser e quando quiser ou, mais pateticamente, ser impedido de entrar no restaurante de sua escolha. Em Nova Iorque a lei exige o comprovante também para entrar em restaurantes. Como resolver isso? Afinal, ele e sua comitiva precisam comer. Problema resolvido: basta se sujeitar a consumir qualquer coisa que encontre disponível pela frente, como fazem ratos e baratas, por exemplo, e ainda alardear que faz isso por humildade. É mentira, todos sabemos, mas também sabemos que ele nunca se importou em assumir compromissos sérios num dia e descumpri-lo no dia seguinte, com a cara mais lavada do mundo. “Eu nunca fui contra a vacina”, já disse, sem nem piscar os olhos.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O discernimento quanto à natureza do bem é intuitivo


    Uma pedra não possui noção alguma sobre a natureza do bem ou do mal. Na verdade, é completamente inerte quanto à apreensão da realidade. Para tal, dependeria do desenvolvimento de terminais nervosos que conduzissem as informações obtidas junto ao mundo à sua volta para uma central capaz de receber esses dados e com elas produzir uma imagem do cenário no qual se encontra, com todas as suas nuances de dimensões, luz, som, aroma, sabor e textura. Essa central nervosa é chamada de cérebro.

    O cérebro, porém, encontra-se fechado numa pequena caixa óssea e não é testemunha direta de nenhum acontecimento fora dela. Para isso depende das informações obtidas pelos terminais nervosos, que são carregadas até o cérebro e, através de processos eletroquímicos, transforma-se na imagem, no som, na textura, no cheiro, na dor e no prazer que sentimos. Em teoria, um cérebro sem corpo, trancado numa caixa, terá as mesmas experiências vívidas da realidade desde que receba impulsos eletroquímicos iguais aos que adviriam diretamente dos sentidos. Isso significa que, desde que receba os impulsos adequados, o cérebro não distingue entre a realidade real e a virtual e pode ser enganado, conduzindo o indivíduo a acreditar em algo que, de fato, não existe. O tema foi abordado no filme Matrix, no qual o personagem acorda e se dá conta de que passou a vida trancado num casulo de metal e acrílico, recebendo impulsos elétricos de um computador. Tudo o que acreditou ser sua vida, desde o nascimento, era uma criação da inteligência artificial.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Conceitos-chave para a interpretação da realidade, parte II

 

Esta é a nona parte da série “Indivíduo, sociedade e a interpretação da realidade”. Os textos possuem um encadeamento lógico, porém permitem a leitura autônoma. Os links para os que desejarem a leitura das oito primeiras partes estão disponibilizados no final do artigo.

  • Elite

Para os efeitos do presente trabalho, o importante conceito de elite não significará, exatamente, a classe alta ou rica, mas aquela verdadeiramente dominante, composta dos poderosos detentores de expressivo poder econômico, cultural e, portanto, político. A palavra buscará definir a pequeníssima amostra de pessoas, inferior ao centésimo superior da pirâmide social (1%), que efetivamente domina o planeta, os donos das corporações, comandantes dos CEO’s e criadores de dirigentes das nações. É um tanto difícil apreender esse sentido, pois, como bem nos alertou Thomas Piketty1, a desigualdade de renda e riqueza não é um abismo que exista apenas entre pobres e ricos, mas que separa pobres de mais pobres (miseráveis) e ricos de mais ricos (bilionários).

Numa população de oito bilhões de pessoas, o centésimo corresponderá a oitenta milhões de pessoas. Será nesse recorte populacional que se encontrarão os verdadeiros imperadores mundiais, os que determinam as políticas nacionais e internacionais; que (a) como soberanos do poder privado, nomeiam os presidentes das corporações e grandes empresas; (b) no setor público, deturpando o real sentido de democracia e res publica (coisa pública), usam de toda a sua força econômica para colocar no poder, democraticamente ou não, os parlamentares e os chefes de estado que lhes apetecem; (c) através do quase total controle do poder privado e também do público, rapinam o máximo possível da riqueza do planeta e da humanidade, direcionando-a para os próprios bolsos (corrupção legal).

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A tese do Lula neoliberal*

 

A partir da situação de Lula livre, inocente e elegível, seus opositores viram-se na contingência de construir novos discursos deslegitimadores da pessoa e da expressividade política do ex-presidente, já que o mero bordão “Lula está preso, babaca” perdeu toda a sua força. Por conta disso, tornou-se imperiosa a criação de uma nova base de sustentação discursiva para a negativação da figura do ex-presidente, como forma de manter acesa a chama da retórica política de seus detratores, como modo de estimular aliados e eleitores.

Um desses novos discursos é o que denomino de “tese do Lula neoliberal”. Trata-se de uma assertiva que bate de frente com a rotulação, por décadas a fio, de “Lula comunista”, o que se manteve, inclusive, durante seus dois mandatos presidenciais. Não se pode acusar seus detratores de não terem imaginação. “Lula comunista não cola mais? Então, a partir de agora, ele é neoliberalista”. Aliás, parcela substancial desses críticos de ocasião defendiam, no passado, políticas econômicas neoliberais para a salvação do país. Ao que parece, com Lula não pode. Definitivamente, são pessoas ousadas, sem temor algum de exposição ao ridículo. Entretanto, deixemos de lado tais contradições lógico-discursivas e passemos ao exame da “acusação”. Afinal, em algum momento Lula aderiu ao neoliberalismo, antes, durante ou depois de ter sido presidente?

De pronto, cabe destacar que, apesar da propaganda de décadas, Lula nunca foi comunista, inclinando-se para a social-democracia, para o centro do espectro político. Seus oito anos de governos espantam qualquer dúvida acerca disso. Contudo, se é para definir sua coloração a partir desses limites toscos que utilizam para desqualificá-lo, ele está mais para comunista do que para neoliberal; muito mais. Sua preocupação social é reconhecida mundialmente.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Polarização, falsa polarização e terceira via*

Este artigo, assim como os dois anteriores e o próximo que será publicado no blog, constitui mera divisão do longo texto publicado no dia 10 de agosto de 2021, intitulado “Lula: efeitos políticos da inocência”.

Tornou-se moda rejeitar a polarização Bolsonaro x Lula. Trata-se da velha e falaciosa escandalização do banal ou criação de factoide. A palavra “polarização”, em seu sentido literal, envolve a noção de coisas situadas em polos opostos.

Contudo, quando transportada para o campo semântico da crítica política nem sempre representa exatamente um cenário de disputa entre os extremos do espectro político. Imagine-se uma hipotética disputa eleitoral que envolva somente dois candidatos, um representando o centro moderado, aglutinando forças políticas para a obtenção de vitória eleitoral sobre um tirano que se encontra no poder, e o outro candidato sendo o próprio tirano e seus asseclas tentando a recondução. Um cenário desse tipo, caracterizado pela divisão do eleitorado em dois posicionamentos distintos e antagônicos, é, por definição, polarizada, embora o candidato moderado não represente o extremo político oposto ao do tirano.

Nesse sentido, que não é o que a imprensa majoritária sustenta, sem dúvida alguma, uma disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro seria polarizada. A polarização, porém, não se daria entre os extremos políticos da direita e da esquerda. Seria uma luta que envolveria, de um lado do ringue, a esperança no incremento de felicidade coletiva, conhecimento, educação, ciência e prosperidade; e, do outro, a certeza da prevalência e ampliação do que já se vê: tristeza social, ignorância orgulhosa, obscurantismo, mal-estar coletivo e aumento da miséria. Para resumir, seria uma polarização capaz de definir o sucesso da civilização ou sua derrocada, a barbárie.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

A tentativa de retorno ao esgoto jornalístico*

A vitória eleitoral do PT, em 2002, deu início a um processo de deterioração do jornalismo, marcado pela escandalização de um lado só, contínuas distorções da realidade, com manipulação da verdade, construção de factoides e assassinato de reputações. Toda ação positiva do governo era ocultado, com progressiva disseminação da falsa ideia de que todos os problemas do Brasil possuíam um só nome (Lula) e uma só coloração (o vermelho do PT). Tal posicionamento, principalmente da imprensa majoritária, embora não propagandeado aos quatro ventos, tampouco era negado, tendo sido publicamente assumido em algumas oportunidades, como a contida na fala da então presidente da Associação Nacional de Jornais, Judite Brito, da Folha de São Paulo, que, em entrevista ao jornal O Globo, declarou que, ante a fragilização da oposição no Brasil, cabia aos meios de comunicação ocupar a posição oposicionista no país.

O jornalista Luis Nassif, em sua séria de reportagens “O caso de Veja”, analisou com profundidade esse fenômeno de anti-jornalismo, para tanto utilizando a revista Veja como exemplo, a mesma publicação que o saudoso Paulo Henrique Amorim apelidou, jocosamente, de “detrito sólido de maré baixa”. Claro que não foi somente essa revista que resolveu chafurdar nesse lodaçal, servindo somente de modelo, pois se tratava do maior semanário do país e possuía um passado com boa reputação. Disse Nassif2:

Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.

No bojo da séria, cuja leitura se recomenda, Nassif aponta os vícios do antijornalismo, a motivação de seu surgimento e aponta caminhos a seguir.

domingo, 22 de agosto de 2021

O aumento na inquietação de militares*

 

Este artigo, e os próximos três que serão publicados no blog, constituem mera divisão por tópicos do longo texto publicado no dia 10 de agosto de 2021, intitulado “Lula: efeitos políticos da inocência”, cujo link é fornecido no final.

A liberdade e posterior inocência judicial de Lula, com consequente possibilidade de sua candidatura em 2022, produziu um visível e injustificável aumento de inquietação nas forças armadas. A insatisfação dos militares com uma possível vitória de Lula é injustificável porque o petista foi, na história recente, o presidente que mais se empenhou pela valorização das forças armadas. A jornalista Eliane Cantanhêde, do jornal Estado de São Paulo, da qual se pode dizer tudo, menos que seja esquerdista ou simpatizante de Lula, assim se manifestou recentemente sobre o assunto1:

Uma das dúvidas que mais incomodam o ex-presidente e pré-candidato de 2022 Luiz Inácio Lula da Silva é por que, afinal, os militares têm tanto ódio dele e do PT. Uma dúvida justa, justíssima, porque os dois mandatos de Lula foram de paz na área militar, com o Ministério da Defesa forte, boas relações entre presidente e comandantes militares e capacitação e reaparelhamento das Forças Armadas. É inegável, é fato.

Além de injustificáveis, tais manifestações possuem, via de regra, um elevado teor antidemocrático, sendo oriundos principalmente de militares reformados. Embora analistas percebam um quadro de maior tranquilidade dentre os militares ativos, essa percepção é bastante insegura, dado que o regramento militar os impede peremptoriamente de publicar manifestação sobre assuntos de natureza político-partidária. Desse modo, o grau de tranquilidade ou intranquilidade dentre os ativos é um elemento incerto, pois suas manifestações não se tornam públicas. É claro que declarações públicas de alguns ex-militares nos transmitem uma certa tranquilidade quanto ao clima entre os militares ativos. É o caso do general Santos Cruz, que integrou o governo no início, mas após deixá-lo tornou-se um crítico contumaz do ex-chefe.