terça-feira, 19 de setembro de 2017

Ante o vácuo da política, o que fazer?


Este texto é um comentário ao excelente texto de Ion de Andrade, "Lula,a crise do paradigma Gramsciano e da nossa democracia", publicado no portal de notícias do GGN, do jornalista Luis Nassif.
Consolidado o golpe contra Dilma, a indagação que tem incomodado profundamente desde então é: como as coisas se desenvolverão no quadro político brasileiro, com ou sem Lula retornando à presidência? Está claro que o poder estabelecido não aceitará alterações relevantes na sociedade nem mesmo através do gradualismo, ou seja, dentro das normas democráticas concernentes ao Pacto Social com as quais ele próprio (o poder) aquiesceu. Isso já foi demonstrado por meio do falso impeachment, que conferiu insegurança ao processo democrático. Não vale mais a escolha povo, que fica subordinada à concordância do poder real.

A solução mais emergente para superar o entrave, como já deixei implícito em texto de minha autoria, seria a guerra civil, uma revolução. Dado que o poder recusa a mediação da política, resta abandonar essa via pacífica e partir para o conflito. Todavia, o custo em termos de sofrimento humano é imprevisível, principalmente num quadro de normatividade criado, a partir de 2001, para reduzir os direitos e liberdades individuais em função da disseminação da falsa bandeira de segurança contra o terrorismo. Hoje, coletivos organizados politicamente estão sendo criminalizados vigorosamente em torno do mundo. Tenta-se enquadrar todo e qualquer movimento popular como "terrorista". Sendo assim, há de ser ponderado, no processo de escolha do meio de luta, se as condições materiais de existência da maioria da população são de tal ordem indignas que justificam a tomada do poder pelo proletariado independentemente do preço a pagar.
Além disso, por paradoxal que possa parecer, a implementação das redes sociais como mecanismo de troca de informações e disseminação de ideias de forma ultrarrápida parece ter caminhado na direção contrária da que se supunha seguiria, conduzido os indivíduos a um processo de atomização acelerado. O processo foi facilitado, propositalmente, pelo mecanismo algorítimico utilizado na internet para a escolha dos temas que aparecem nas telas de cada um. Com cada um entricheirado em suas próprias posições ideológicas, recebendo basicamente as informações com as quais concorda, a aglutinação da população em torno de um projeto audacioso e extremamente perigoso, como é o de enfrentar a violência estrutural criada para estagnar o modelo de hierarquização da sociedade, fica efetivamente quase inviabilizado. Isso, aliado ao processo de enfraquecimento das representações sindicais e da fragilidade dos estados nacionais frente à mobilidade do capital criado pela globalização, gera uma certa incredulidade na capacidade de modificação da estrutura de poder através da mobilização popular.
Ao que parece, um levante popular na contemporaneidade exige o surgimento de condições de indignidade existencial de extrema magnitude, não bastando o mero testemunho da pobreza e da miséria, pois são percebidas, ainda que erradamente, como transitórias e circunstanciais a um "programa econômico de governo" e não como o resultado inevitável do sistema em si. Nisso, o papel da grande imprensa é fundamental para defender os pontos de interesse do poder real. Num governo incômodo, uma taxa de crescimento de três por cento será alardeada como insuficiente em vista da grandeza da dívida pública. Num governo mais simpático ao poder, um crescimento de dois décimos percentuais será comemorado, mesmo ante uma dívida pública muito maior do que aquela que se dizia iria quebrar o país.
Se a política se revela ineficiente como meio de alteração gradativa do quadro do poder e povo está desmobilizado para conquistar à força a fatia a que faz jus desse latifúndio, como resolver essa equação? A sugestão de unir as diversas frentes de afirmação (gênero, orientação, etnia, etc) em um único projeto de mitigação das desigualdades provocadas pelo modelo de hierarquização social é bastante interessante, mas esbarra na constatação de que cada um desses coletivos é formado por múltiplas orientações políticas individuais, tratando-se de missão bastante difícil lhes conferir coesão.
Resta a cada um o trabalho de Sísifo de conscientizar, conscientizar e conscientizar, tarefa difícil por envolver a entrada na profunda trincheira da opinião política do outro. É um trabalho árduo e certamente será demorado. Após o impeachment de Dilma e mesmo que, surpreendentemente, Lula seja reeleito em 2018, as circunstâncias do Brasil não permitem crer em um tempo inferior a dez anos para a cura das feridas abertas pelo ataque à democracia.

Mas, há um trabalho a ser feito. Que o façamos, pois.

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