sábado, 17 de junho de 2017

O fim do poço ainda está distante

Gostaria muito de acreditar que estamos nos aproximando do fundo do poço, momento que forçaria a composição das forças políticas adversárias como meio de salvação geral. A ideia de que as hecatombes são unificadoras é óbvia. O ser humano sempre se une na tragédia. Um dos maiores avanços civilizatórios jamais testemunhados na face da Terra, senão o maior, ocorreu logo após o encerramento de duas de nossas maiores barbaridades: as grandes guerras mundiais que mantiveram o mundo em suspenso durante meio século.
Na mitigação do lucro insano, a humanidade desabrochou e floresceu como nunca dantes. Nascia a preocupação social com sua política de bem-estar. Época dos baby boomers, dos Trinta Gloriosos da França e até dos cinquenta anos em cinco de JK. Os poderosos descobriram que um mundo menos indigno era melhor para os negócios... mas isso durou um espirro histórico, uns quarenta anos, logo esqueceram e retornaram à ciranda da loucura financeira. Por paradoxal que seja, o boom civilizatório pós-Segunda Guerra e o atual caos político brasileiro possuem algo em comum, ainda que em sentidos inversos: o medo da esquerda. Explico.

A convicção de que a miséria era a melhor publicidade e incentivo para o comunismo convenceu o poder estabelecido a ceder. Ao menos um pouco do produto do trabalho tinha que retornar para quem efetivamente produzia a riqueza, os trabalhadores. Isso era vital para assustar a assombração comunista que avançava intrépida em direção aos portões da Europa. O receio da influência da União Soviética forçou o capitalismo a se tornar menos voraz e desumano. Porém, o início do processo de desestruturação da União Soviética espantou esse temor. O capitalismo podia voltar a exibir a sua real natureza e finalidade quando livre de amarras: a predação do ser humano. A desintegração econômica europeia que está em andamento é produto direto do fim do medo do comunismo.
Nos países periféricos, contudo, Brasil no meio, não havia por que instituir o estado de bem estar. Os bastardos da humanidade não mereciam a dignidade. Bastou a insuflação de militares para impor ditaduras sanguinárias que garantiram os investimentos fundados na superexploração do trabalho. Curiosamente, os militares utilizaram o anticomunismo como desculpa para o rompimento do processo democrático. Essa foi a receita adotada em grande parte dos países terceiro-mundistas. Para estes, somente após o fim dos ciclos militares se iniciou um pequeno ingresso no sonho do bem estar social, um retardo de décadas em relação à Europa.
Se a chegada ao estado de bem estar social foi tardia, o seu fim não demorou. Está sendo simultâneo ao processo que se desenrola na Europa. O sonho durou tão pouco que alguns dos bastardos subdesenvolvidos nem se apercebeu que tinha avançado um degrau na escada da dignidade humana. Alguns inclusive, desinformados sobre o que é ser humano, se posicionaram contra a própria elevação de patamar civilizatório.
Todavia, enquanto na Europa a derrocada é devida ao fim do medo comunista, no Brasil é o medo comunista que impede a cessação da crise política. Na verdade, um antiesquerdismo arraigado na elite travestido de medo comunista. Através dessas lentes de paranoia, enxerga-se comunismo onde somente há o desejo de redução das indignidades sociais.
Tem-se, assim, que o mesmo medo comunista que conduziu a elite da Europa a adotar políticas de generosidade com sua população, provoca, na elite nacional, o desejo de fraturar a democracia para estancar os avanços sociais. É a elite que temos: garantida pelo rentismo, prefere a falência do próprio negócio do que perder os serviçais, do que sentar-se ao lado de pobre no avião.
O antiesquerdismo doentio não quer o empoderamento da população através da democracia direta, com plebiscitos, referendos e conselhos populares. O antiesquerdismo doentio brigou contra todo e qualquer avanço na educação e na saúde da população pobre. O antiesquerdismo doentio busca evitar a ascensão de políticas de transferência de renda, pois isso acarreta a mitigação da parcela da arrecadação destinada ao rentismo. O antiesquerdismo doentio vai lutar contra o que parece ser a única solução para o abrandamento da crise: a realização de eleições diretas gerais.
É por isso que a crise política ainda está distante do fundo do poço: o saco de maldades capaz de evitar a ascensão da esquerda ainda contém muitas soluções criativas para ocultar o real combate que está em jogo que, obviamente, não é o combate à corrupção.
A elite anticomunista nacional não possui escrúpulos. Se necessário, Temer terminará o mandato, forjando o tempo necessário para insuflar a candidatura de outro playboy, Dória, repetindo a experiência Collor. Caso Temer se torne insustentável, como a Globo parece acreditar, Rodrigo Maia, o defensor do "Mercado", conduzirá o processo até 2018.
Em 2018, todas as fichas serão colocadas no playboy ou em um similar. Toda e qualquer candidatura viável com tendência de esquerda será impedida de se candidatar ou, caso consiga, massacrada midiaticamente. Nossa elite "esclarecida" optará por Bolsonaro, se necessário for, ou por coisa pior.
É possível vencer essa avalanche? Sim, mas não sem muito esforço; não sem muito esclarecimento; não sem muita passeata, muito comício e muitas caravanas pelo país; provavelmente não sem muito sangue nas ruas jorrado das cabeças de manifestantes pelo brutal cassetete de policiais despreparados para a civilidade.
A força do povo está na multidão reunida e amedrontadora.
A política? Nesse momento ela não existe e tem que ser reconstruída. As pontes foram derrubadas por nossas próprias instituições.
O fundo do poço ainda está distante podemos cair mais. Ou podemos produzir as batalhas e ir para a guerra. Esvaziado o voto como meio de pacificação social, é só o que resta. A alternativa é a subserviência, é acreditar que o que virá é o destino inevitável, como sempre buscaram acreditar os que foram vilipendiados. Escravos acreditaram nessa ideia e morreram escravos.
Viver com medo ou suportando a opressão é uma alternativa. Ou será que não? Eis a questão.

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