segunda-feira, 18 de abril de 2016

Golpe de hoje, esperança do amanhã


O desenho do golpe esperado ocorreu: o processo de impeachment vai prosseguir no Senado.
O partido que lidera o golpe, o PMDB forneceu um total de 59 votos favoráveis ao golpe e dois contra. O PMDB do Rio colaborou com nove votos a favor do processo e dois contra. Um massacre.
O "líder do governo", Leonardo Picciani encenou, de modo pouco convincente, o papel de homem fiel ao governo do qual é líder, votando contra o impeachment, logo após ter orientado seus liderados a votar a favor.
No dia 08 de dezembro de 2015, em texto publicado no blog, esse resultado foi previsto, inclusive em relação ao desembarque maciço do PMDB.
O texto não foi bem aceito, muito provavelmente, e de modo compreensível, porque não era o momento para pessimismos, ainda que fundados em realidade patente e cristalina (talvez ainda não seja). Eis o link: http://marciovalley.blogspot.com.br/2015/12/o-impeachment-passara-dilma-perdera.html e o trecho que previa o comportamento do PMDB no golpe:
"(PSDB e PMDB) Estarão juntos, sem dúvida alguma, no impeachment da Dilma.
É ingenuidade supor que parte do PMDB se manterá fiel à Dilma. Se ocorrer, será com pequena porção de seus integrantes. A maior parte dos peemedebistas votará pela abertura do processo e, depois, pela cassação, pois é da natureza do escorpião picar quem o está salvando.
O PMDB historicamente se aproveita dessas oportunidades. Foi assim com Sarney, foi assim com Itamar e será assim com Temer. É um partido ciente de que não conseguirá a presidência diretamente, em eleições. Assim, não pode se dar ao luxo de perder oportunidades nas quais consiga concorrer à vice-presidência e, conseguindo-a, de trabalhar para defenestrar o presidente eleito e se apropriar do poder. Não será dessa vez que deixará a oportunidade passar.
Engana-se quem pensa que o PMDB do Rio fechará com Dilma. No máximo, manterá as aparências, o discurso falso de apoio, mas, a dimensão da chance real presente já foi avaliada. Trabalharão por Temer. Os peemedebistas cariocas possuem a mesma, talvez pior, natureza escorpiônica inerente ao partido. O Rio de Janeiro é dominado pelo PMDB, com figuras como Picciani, Paulo Melo, Sérgio Cabral, Moreira Franco e outros do mesmo naipe. É preciso ser insano politicamente para dar um voto de confiança ao PMDB do Rio."
Tal predição em nada se altera agora que a questão passa para o Senado: o impeachment passará e Dilma cairá. Por bem-vinda que seja a declaração de Lewandowski, de que a tipificação do crime de responsabilidade poderia ser reanalisada pelo STF, a composição pusilânime do tribunal superior não irá contrariar o julgamento no mérito quanto à configuração do inexistente crime de responsabilidade.
Do PSDB, com cem porcento de votos a favor do processo, e do PMDB, com noventa porcento, não se poderia esperar atuação outra que não fosse à do escorpião que pica e envenena o povo que os elegeu: é sua natureza pervertida inelutável e esse é o vexaminoso papel que lhes cabe na história, como herdeiros da trajetória golpista da extinta UDN.
Fica, todavia, o travo amargo pela conduta desonrosa que se propôs desempenhar o PSB, partido que se pretende socialista e que, todavia, se filiou ao golpismo mais abjeto, votando a favor do impedimento de Dilma sob o pálio do combate à corrupção e assim conduzindo Temer e Cunha ao poder, políticos que são, como todos sabemos, os mais puros e honestos desse país.
Destaca-se, ainda que em atuação bastante superior à do PSB, o lamentável desempenho de parcela considerável do PDT, com um terço de seus deputados votando pela continuidade da farsa.
Essa batalha, a do impedimento, está perdida. E, repetindo as conclusões do texto escrito em dezembro, não haverá guerra civil em defesa do PT. Ocorrerão fortes manifestações no calor da vitória golpista, que irão entretanto amainar pouco a pouco e em pouco tempo. Em dois ou três meses Temer se sentirá confortável até para viajar e deixar o Cunha na interinidade presidencial. Será um belo espetáculo de hipocrisia que, claro, passará em branco pelos jornalões.
E ante o massacre praticado há treze ininterruptos anos pela mídia, será muito difícil que o PT vença a eleição presidencial de 2018. Considero uma façanha se Lula conseguir se candidatar sem antes ser condenado por alguma coisa, qualquer coisa. Talvez nem devesse vir candidato a presidente.
Seja isso pessimismo ou realismo, é o que se pode esperar do lamentável momento histórico que atravessa nossa política.
Porém, o que pode, em análise precipitada, ser entendido como revés, pode vir a se revelar como enorme oportunidade para a recuperação de nossas esquerdas.
A falsa esquerda, como PSB, PPS e PV perderam os escrúpulos e, com eles, foi-se completamente qualquer pífia credibilidade que ainda resguardassem. Irão disputar com o PSDB, PMDB, DEM e quetais os eleitores de direita ou de inclinação fascista.
A esquerda ideológica, como PSol e PC do B, sai fortalecida, ainda mais admirada pelos antigos simpatizantes e recebendo novas adesões. É muito provável que aumentem suas bancadas.
O PT eventualmente poderá vir a perder a presidência, ganha, porém, a possibilidade de ser livrar dos filiados oportunistas e de obter maior densidade no esmaecido viés ideológico dos tempos idos. Também poderá ampliar sua base parlamentar.
E, assim, isso é o mais importante, as esquerdas autênticas, em seu conjunto, possivelmente com o PT na liderança, poderão trabalhar as campanhas e alcançar uma dimensão inédita no parlamento.
O parlamento é o ambiente democrático por excelência e foi deixado de lado como elemento de ambição política pelo PT, seduzido pelo enganoso canto de sereia do executivo federal. O resultado dessa inapetência pelo legislativo ficou evidente no julgamento de hoje: o Congresso encontra-se dominado por bancadas de interesse, como os religiosos, principalmente protestantes pentecostais que a todo momento invocavam histericamente o nome de Deus para votar contra o povo, pelos patrimonialistas oligárquicos com o peso dos sobrenomes, como Maias, Piccianis e Cabrais, e pelas bancadas corporativas.
Segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), em contagem otimista, as eleições parlamentares anteriores conduziram à Câmara dos Deputados 30 deputados representantes de empresas de segurança, 52 votando em nome de igrejas evangélicas e outros 190 da área corporativa.
Vale reproduzir trecho do texto "Eleição de 2018: atenção ao legislativo", escrito em outubro de 2015:
"As eleições passadas para o legislativo, em 2014, produziram o congresso certamente mais obscurantista das últimas décadas e possivelmente o pior da história do Brasil. Congresso que se apresenta com uma tessitura política engendrada a partir de um conservadorismo que se poderia considerar honesto, mas é manchado ao se aliar, por mero oportunismo político, à pior espécie do conservadorismo fundamentalista religioso e à fatia mais abjeta do patriamonialismo político.
Tem-se, pois, nada mais, nada menos, do que 272 deputados federais inclinados ao conservadorismo, ao obscurantismo e à redução dos direitos e liberdades individuais. Como são 513 deputados federais que formam a Câmara dos Deputados, isso significa que 53% de sua composição é hoje formada por políticos que atuam na contramão dos avanços civilizatórios.
O horror, o horror!
Um congresso dessa qualidade precisa ser urgentemente defenestrado e renovado.Impõe-se ampliar o número de parlamentares com ideias arejadas sobre a questão social, não somente em relação à mitigação da desigualdade de renda e riqueza, importante por óbvio, mas também quanto a questões sensíveis envolvendo direitos das minorias, como os preconceitos em geral e notadamente o racial, direitos homoafetivos, a questão do aborto e outros. São assuntos que, com essa composição congressual, somente serão colocados em pauta com o objetivo de cassar conquistas, jamais para avançar.
Com um congresso abjeto, como o atual, de pouco ou nada adianta conquistar a presidência. Fica-se amarrado à lógica fisiologista de produzir governabilidade a qualquer custo, com a única alternativa de lutar contra a sanha oposicionista e sucumbir, pois, sem maioria no Congresso e sem o apoio da imprensa, não há chance de vitória.
Está faltando conferir peso e força à bancada do povo no Congresso, papel histórico das esquerdas.

Lula, se candidato a deputado federal, seria facilmente eleito e levaria pelo menos mais uma meia dúzia com ele para o Congresso, fortificando a bancada.

Além dessa possibilidade de ganho de qualidade no legislativo, é muito possível que a ausência da esquerda no poder executivo federal seja breve. Os governos petistas apontaram um caminho de dignidade para a população, caminho esse que não possui mais retorno. Será muito difícil para partidos de inclinação liberal atender às necessidades de um povo cada vez mais exigente em relação às suas demandas coletivas e individuais.
As ocorrências políticas desse momento, portanto, não devem ser interpretadas como um derrota da esquerda, mas como um freio de arrumação do sistema.

O povo estará atento. Aparentemente, o escorpião picou-se a si próprio e nem percebeu.

Nenhum comentário :

Postar um comentário