sábado, 28 de fevereiro de 2015

O sistema político-econômico que se avizinha



Historicamente, nada é imutável e nada é insubstituível. Não fosse assim, a própria noção de história, entendida como a sucessão de eventos no tempo, seria seriamente comprometida e a previsão de Fukuyama não faria sentido algum. Por outro lado, em geral todas as mudanças são lentas e graduais, mantendo-se durante muito tempo pontos de intercessão entre os modelos antigo e moderno.
O feudalismo tornou-se um sistema inconveniente para os proprietários e foi substituído pelo capitalismo. Isso não ocorreu de um dia para o outro. Ao lado de empreendimentos realizados já sob o espírito do novo sistema econômico, muitos feudos persistiram durante décadas, talvez por mais de século, antes de sucumbir por completo. Na verdade, o modelo de grandes fazendas que persistiu até o final do século XIX e início do século XX, com seus escravos, não possui diferença de monta com a prática econômica do milênio anterior.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Armadilha conceitual


Encontro-me preso numa armadilha conceitual.
Se, por um lado, repudio a ideia de que seja saudável adequar-me perfeitamente às exigências de uma sociedade acerbamente doente, por outro não encontro fascínio no isolamento asceta do eremita.
O dilema que enfrento me leva a concluir que, embora a sociedade seja um conjunto de indivíduos, ela acaba por ser muito maior do que a soma de suas partes. O Leviatã é um ente cujo tamanho é superior ao que justificaria o número de células que lhe dá forma.
O valor de cada indivíduo não é somente menor no poder de influenciar a pletora de regramento coletivo que oprime de forma geral os demais indivíduos, mas igualmente menor no desejo de oprimir os desejos do próximo.

O inimigo comum imaginário criado pelo diabo que não existe


Charge de Ivan Cabral
Há uma máxima, atribuída ao poeta francês Charles Baudelaire, segundo a qual o maior truque realizado pelo diabo foi convencer a todos de sua própria inexistência. Grande esperteza. O diabo sabe que o povo estará pronto para adotar uma atitude passiva e se acomodar quando restar convencido de que determinado mal é fruto de lenda urbana, de teorias da conspiração ou da histeria de poucos. Nada como a inação popular para quem deseja o poder. Em terra de apáticos, o mal ativo será rei.
O diabo, porém, é ainda mais maligno. Não satisfeito em, num passe de alquimia, transmutar uma existência concreta, a sua própria, em delírio de poucos para, com isso, se tornar invisível, a liberdade da invisibilidade lhe proporciona realizar outra façanha alquímica extraordinária: metamorfosear uma inexistência, o éter, em medo coletivo palpável. Isso porque o diabo sabe que a melhor maneira de conquistar, manter e ampliar o seu poder é através da criação de um inimigo comum que, unindo o povo num propósito, direcione a energia coletiva para o objetivo desejado pelo mal.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O contexto maior de Veríssimo

Ao final do texto, disponibilizado o link para o texto de Luis Fernando Veríssimo, originalmente publicado no jornal O Globo, mas reproduzido no site do GGN, que inspirou esse meu texto. Sempre vale a pena ler Veríssimo.
No texto, Veríssimo nos fala sobre a importância de analisar a situação política atual com uma visão de longo prazo ou, como ele denomina, sob uma perspectiva de "contexto maior".
Veríssimo, como sempre, um sábio. Curioso é alguém tentar desmerecer a erudição evidente dele. Talvez haja um quê de inveja nesse desdém. E, desde logo, é bom esclarecer que erudição e sapiência não estão relacionadas e que uma não é condição necessária da outra, mas Veríssimo detém ambas as qualidades.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Beija-Flor e o ditador: a vergonha de uma vitória


A República da Guiné Equatorial é um país localizado na porção centro-atlântica da África, com cerca de vinte e oito mil quilômetros quadrados, população de seiscentos mil habitantes e PIB de de quinze bilhões de dólares, ou seja, a área de Alagoas, com a população do Amapá e o PIB do Rio Grande do Norte.
Até pouco antes do ano 2000, a economia da Guiné era, basicamente, focada na exportação de cacau, café e madeira. A partir daí, ganhou relevo substancial a exploração de petróleo. Até 1778 era uma colônia portuguesa e, a partir daí, passou ao domínio espanhol, somente alcançando independência em 1968.
Alcançada a independência, a Guiné esteve, por dez anos, sob o comando do ditador Francisco Nguema, que é apontado como responsável por assassinar milhares de opositores.