quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Decrescimentos, a solução que já tarda


Essa ensaio é continuação do anterior, escrito em função de questionamentos que me foram dirigidos. Eis o link para o primeiro texto: http://marciovalley.blogspot.com.br/2014/11/a-obsessao-pelo-crescimento-economico.html.
É inegável que os crescimentos populacional e econômico foram imposições da conjuntura existente lá no início dos tempos. A máxima judaica do "crescei e multiplicai-vos" fazia todo sentido numa era de alta taxa de mortalidade e baixa expectativa de vida. E com pouca gente no início da civilização, o impacto da atuação humana no sistema ecológico não era relevante.
Agora, porém, no início do século XXI, já estamos pelo menos umas três bilhões de pessoas após o número recomendável. Alguma solução há de ser encontrada.
A devastação dos ecossistemas é inquestionável ante a mera constatação de que os humanos ocupam, hoje, imensas porções de terra na forma de cidades e fazendas que antes eram preenchidas por florestas, cerrados, pântanos e outros biomas. Apenas como exemplo, a Mata Atlântica possui atualmente cerca de 7% do que já foi um dia. A destruição de 93% da Mata significa a extinção de centenas ou milhares de habitats integrados e, consequentemente, de parte significativa das espécies que dependia da integridade da floresta.
Essa mesma destruição é verificada em outros tipos de biomas. Praticamente nada resta das florestas que cobriam os EUA e a Europa três ou quatro séculos atrás.
Soluções não são fáceis e nem as tenho para apresentar, mas certamente passam pela necessidade de uso racional da inteligência humana. Olhar para um problema crescente e fingir que não existe é um passo gigantesco em direção à catástrofe. E existem dois grandes nós a serem desatados pela civilização: a população está grande demais e a riqueza está concentrada demais.
São dois gigantescos problemas que exigem um enfrentamento sério, pois afetam as nossas vidas, no presente, e afetarão as vidas de nossos filhos e netos, no futuro. Na verdade, ameaçam a própria viabilidade da existência. Nesse sentido, como todos os demais problemas da natureza, não tenham dúvidas de que serão resolvidos, por bem ou por mal. Somos inteligentes e podemos escolher o caminho da solução mais benéfica. Caso contrário, a natureza resolverá do seu modo peculiar de pôr fim aos problemas naturais, com muito fogo, muita água e muito sacrifício de vidas.
A concentração da riqueza na forma como hoje permitimos, com duas ou três centenas de famílias sendo proprietária de metade da riqueza, é responsável pela totalidade da miséria e da violência que grassam no mundo.
Dado o tamanho da população, o crescimento econômico ocorre até por inércia. Se, por hipótese, conseguíssemos reduzir e, depois, estabilizar a quantidade de pessoas em número razoável, com uma distribuição mais equitativa da riqueza, o crescimento econômico perderia o sentido. Num mundo assim, a pressão sobre a ecologia seria mitigada e as pessoas seriam mais felizes num planeta mais saudável e numa sociedade mais justa.
Ocorre que o povo foi ensinado a entender "desenvolvimento humano" como "potencial de aquisição de objetos". E também que as coisas "são assim mesmo", como se não houvesse alternativas viáveis de vida social e econômica. Como diriam os jovens, "só que não", elas existem e são viáveis. Embora difícil mudar essa percepção generalizada, não é impossível.
É importante lembrar que o fato da dificuldade não implica inutilidade do sonho como paradigma do futuro. Não podemos abrir mão das utopias, pois são elas que nos impulsionam para a construção de uma sociedade melhor. Em outras palavras, quando sonhamos com dez, dificilmente passaremos de nove, mas quando colocamos a meta em cem, fica mais fácil atingir vinte. Imagine se não tivéssemos passado pelo Iluminismo e todos os seus delírios sobre a dignidade do ser humano, que tipo de sociedade teríamos hoje?
Não se trata de abdicar de raciocinar com o real, pois qualquer projeção para o futuro deixa de pensar o real, entendido este como o que existe concretamente no presente instantâneo. O real do futuro depende de planejamento e escolha. Se é possível um planejamento econômico que leve em consideração apenas os dados do passado, dimensão em que aparentemente algumas pessoas apreciam operar, não vejo porque esse mesmo planejamento não possa ser realizado com elementos da imaginação inteligente, buscando resultados mais satisfatórios do que os que nos conta a História. Os cientistas e os inventores fazem isso o tempo inteiro. Aliás, a ausência de satisfação com o passado é o fio condutor de todo o avanço civilizatório. Um macaco acomodado jamais teria saído das cavernas.
Por outro lado, estimular a solução de conflitos pelo uso da inteligência racional, sem o manejo da violência que nos caracterizou até agora, nunca deveria ser considerado um sonho inalcançável, pelo contrário, deve ser sempre visto como o nosso destino inexorável, dada a nossa condição de seres com a consciência em permanente evolução.
Não se pode negar uma visão mais realista segundo a qual as guerras é que sempre foram os instrumentos mais eficazes para resolver os problemas da escassez e da população excessiva. Somente não são, e nunca serão, o meio mais inteligente e racional. Todavia, um dia, após a última guerra ser travada, e se a extinção da humanidade não vier antes, a razão prevalecerá. Nesse dia, num futuro que reputo não muito distante, virá alguma espécie de acordo global sobre a economia, uma Ágora internacional que decidirá sobre os decrescimentos populacional e econômico que são os imperativos de uma continuidade existencial mais equilibrada e justa.
Não há solução para o problema da África, por exemplo, que não passe por um consenso internacional. A redução da concentração da riqueza é outro desses consensos necessários e ambos podem estar relacionados. Efetivamente, a "obesidade" da riqueza poderia ser direcionada para melhorias das condições sociais dos africanos. Basta lembrar que apenas os valores gastos com as guerras americanas dos últimos trinta anos, todas fundadas na lógica da prevalência da propriedade e dos interesses dos proprietários, resolveria o problema africano não uma, mas várias vezes.
Se considerarmos impossíveis as soluções de conciliação, seria o caso de nos indagarmos seriamente sobre o valor da inteligência humana. Ora, se ela não é capaz de superar a bestialidade que há dentro de nós e que nos conduz à guerra para resolver conflitos facilmente contornáveis através do uso da razão, qual é exatamente sua utilidade? Se fosse assim, não seria mais "inteligente" vivermos como os macacos Bonobo, ignorantes sobre as coisas, porém em sintonia com a ecologia e vivendo em perfeita harmonia social? O objetivo da inteligência humana seria, então, viver por cem anos engordando e comprando coisas para os nossos armários?
Estamos ante uma escolha: vamos resolver as coisas pela inteligência, como seres humanos, ou pela violência, como os animais irracionais?

No fundo, Sartre estava certo: vivemos a angústia de nos sabermos livres para escolher a direção que quisermos, pois temos ciência de que teremos que suportar os efeitos dessa escolha.

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