terça-feira, 23 de julho de 2013

Comparativo Lula x FHC


Nos últimos dias vem sendo compartilhado nas redes sociais um artigo que produz uma comparação entre os governos de FHC e de Lula, com muita vantagem para FHC, segundo o autor do artigo. O link do artigo é fornecido ao final do texto.
O autor do artigo é clara e confessadamente um admirador de FHC, o que ele honestamente afirma. Nisso não reside problema algum, dado que os admiradores de Lula também podem produzir comparativos.
Todavia, o autor do artigo peca por utilizar um sofisma evidente a fim de inutilizar os números nos quais ele próprio reconhece a superioridade da performance governamental de Lula. Nesses específicos pontos, ele posiciona FHC como melhor presidente que Lula, com fundamento na opinião absolutamente subjetiva, e não isenta pois eivada da parcialidade típica de um admirador confesso, de que a superioridade dos números de Lula decorreu da política macro-econômica implementada por FHC, herdada pelo petista, e à conjuntura econômica mundial ruim por este último enfrentada, o que não teria ocorrido na gestão do PT.

O primeiro ponto de discordância é quanto à suposta influência da gestão de FHC nos números produzidos pelo governo Lula. O que os indicadores econômicos sinalizam é que o que Lula herdou de fato da gestão FHC foi uma economia quase afundada. Quanto à economia mundial, o argumento é ridículo, uma vez Lula enfrentou a maior crise financeira desde a crise de 1929.
Porém, superando-se esses equívocos e supondo-se que efetivamente a política econômica de FCH tenha sido um sucesso retumbante, com ele entregando a Lula um país absolutamente saneado em suas finanças, resta ainda uma indagação pertinente: até quando isso poderá ser utilizado para santificar FHC e negar qualquer crédito ao governo do PT ou os próximos?
Supondo que daqui a cem anos o Brasil seja a maior potência mundial, será que ainda caberá dizer que isso se deve à política macro-econômica de FHC? Seria algo assim como afirmar que o crescimento brasileiro durante o governo tucano ocorreu por conta do gênio de D. Pedro II.
Trata-se de uma modalidade de pensamento negacionista e tucano-narcisista, que parte do princípio de que todos os gerentes que sucederem santo FHC serão meros continuadores de sua política e, portanto, não merecerão qualquer crédito pelos eventuais sucessos das respectivas administrações, ainda que se revelem excelentes gestores.
Supondo-se que, na verdade, o que o emplumado autor tenha pretendido afirmar é que, embora a economia esteja sendo bem conduzida, o que é implicitamente reconhecido por ele próprio, estaria ainda melhor com FHC, pois o considera um administrador melhor, ainda assim se trataria de mero exercício de suposição, adivinhação mesmo.
Não há razão alguma para crer que FHC administraria melhor do que Lula a política macro-econômica atual, primeiramente porque não há razão alguma para crer que assim tenha feito quando era presidente. Se há algo de salutar iniciado antes do governo Lula, com capacidade de produzir efeitos até o momento, trata-se apenas do Plano Real, que todavia, o sentido de justiça exige se reconheça ter sido produto do governo Itamar Franco. Os tucanos apenas prosseguiram na administração do plano. Nesse sentido, a mesma afirmação de herança bendita se aplicaria também ao governo FHC, herdeiro de Itamar.
Ademais, os registros históricos demonstram que, antes de FHC deixar o governo, a inflação já atingira dois dígitos e estava próxima do descontrole.
Paralelamente, o texto, ao minimizar o fato do governo Lula ter enfrentado a maior crise econômica mundial desde o crash de 29, permite igualmente minimizar a suposta conquista de FHC no combate à inflação. Efetivamente, basta breve pesquisa na internet para verificar que em praticamente todos os países nos quais a inflação era altíssima até meados da década de 1990, o problema foi solucionado no final dessa década, todos ingressando no ano 2000 com a inflação controlada.
Como diria o Robin: santa coincidência econômica, Batman.
Como não cabe acreditar em coincidências tão fantásticas, é preferível supor que FHC não teve participação de grande relevo no controle de inflação, devendo presumir-se que tal controle foi engendrado pelas grandes corporações, possivelmente por terem finalmente compreendido que inflação muito alta não é salutar para os negócios.
Evidentemente, o texto sob análise não é sério, tratando-se de um panfleto pró-tucano. Em filosofia, enquadra-se como "wishful thinking".
A comparação entre os governos deve ser pautada pelos números e esses falam por si. Os números petistas são amplamente superiores aos tucanos.
E aqui se trata apenas do aspecto da macroeconomia, nem sendo cabível comparar os respectivos governos quanto ao enfrentamento da questão social, ponto sobre o qual o autor ridiculamente declara, como mero exercício de fantasia pretensiosa, que o governo FHC foi melhor, o que contraria, tanto os gritantes números estatísticos que sobram no governo petista, como o pensamento sociológico preponderante sobre o assunto, não somente brasileira, mas mundial. Efetivamente, diversas manifestações, das mais variadas instituições, personalidades e pensadores do mundo, reconhecem as conquistas sociais obtidas pelo governo petista, tendo alguns países inclusive passado a adotar soluções idênticas.
Novamente de forma sofista, tenta o autor do texto fazer crer que a mágica fernandiana do controle da inflação beneficiou mais os pobres do que os programas sociais petistas. Quanto a isso, deixem falar os próprios pobres e miseráveis, que, durante os governos tucanos muito pouco ou nada recebiam de benefícios sociais ou, quando tinham a sorte de ter emprego, recebiam um salário mínimo ridículo. Essas mesmas pessoas, na assunção do PT ao governo, obtiveram inegável ganho no poder aquisitivo, tanto pela valorização do salário mínimo, com ganhos reais em dólar acima da inflação, como pela instituição de programas de assistência e amparo sociais.
Enfim, como nada é tão maniqueísta assim, deve ser reconhecido que ambos os governos possuem defeitos e méritos.
Não se deve cultivar nenhuma ilusão quanto à corrupção, anterior e persistente nos dois governos e que, dada a nossa conformação política, carente de profunda e urgente reforma, certamente continuará a manchar nossa política. Não produzidas reformas profundas, o mais puro dos partidos políticos, o mais honesto dos candidatos, será corrompido quando e se chegar ao poder, não necessariamente pelo objetivo de enriquecer, mas em função da necessidade de produzir governabilidade.
Num sentido de pragmática política, a maior e mais significativa distinção que há entre o PSDB e o PT é que o PSDB possui tendência liberal e privatizante muito forte e, justamente por isso, focou a ação governamental no mercado, enquanto o PT a focou no social e possui uma política de maior cuidado na privatização.
Não há dúvida de que nem tudo pode ser privatizado. Existem setores que são estratégicos demais para serem privatizados. Basta analisar o que está ocorrendo agora com a vigilância americana sobre nossas comunicações. Uma Embratel estatal possibilitaria um controle maior do governo brasileiro sobre as próprias comunicações, apenas para ficar nesse exemplo.
A sociedade deve ser entendida como um conjunto orgânico no qual os cidadãos são órgãos e membros, que possuem o dever de cuidar uns dos outros, pois a doença da parte sempre significará a doença do todo. Por conta disso, cabe admirar mais as políticas que beneficiem pessoas do que as que priorizem o dinheiro.
Essa é a razão pela qual, enquanto não sobrevier uma profunda reforma política que altere esse panorama político horroroso que o país enfrenta desde sempre, se a escolha for entre o PSDB, que optou pelo pior modelo de capitalismo, aquele que prioriza selvagemente o capital, e o PT, parece preferível a opção pelo último, um partido desenvolvimentista vocacionado para o social.
A fulanização do debate político sobre o combate à corrupção, que elege sem base fática um determinado partido como único corrupto, implica derrota do povo, pois inviabiliza um ataque verdadeiro à raiz do problema: um sistema político-eleitoral fracassado que torna necessário ao governante fechar os olhos ao fisiologismo e ao patrimonialismo como condição de governabilidade.
Retirar o PT do poder e colocar qualquer outro partido, enquanto não solucionado o problema de fundo, representará apenas a troca de um suposto ladrão de plantão por um outro suposto ladrão provavelmente mais ávido. Nesse caso, não somente a corrupção persistiria, como condenaria pobres e miseráveis a suportar o maior dos prejuízos: o retorno ao estado de desamparo social que enfrentavam antes da criação da rede de proteção atual. Na melhor das hipóteses, haveria severa redução dessa rede.
Eis o link do artigo que vem sendo compartilhado nas redes:
http://visaopanoramica.net/2009/08/05/comparacao-fhc-x-lula/

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