terça-feira, 2 de julho de 2013

A reforma política

Sem a produção de efeito global, não há solução eficiente e duradoura para as grandes questões da civilização humana. Uma redução brutal das desigualdades, se um dia ocorrer, somente será possível a partir de um pacto mundial entre as nações, envolvendo a totalidade dos seres humanos. O instrumento natural para alcançar esse pacto seria a política, espaço de apresentação de divergências e busca de soluções e acordos. O problema é que o poder do dinheiro envolveu-se de tal modo na política que ela deixou de ser uma ferramenta de pacificação social e passou a atender somente aos interesses de uma determina fatia da população, os grandes empresários. A política elitizou-se e já faz tempo.
Quais os principais ambientes contemporâneos através dos quais a população participa, de alguma forma, das decisões coletivas? Um é a política, através do voto, e outro é a imprensa, por meio da qual são divulgados os acontecimentos políticos. Não à toa, esses dois ambientes foram quase completamente tomados pelas grandes corporações. Atualmente, não existem políticos eleitos sem investimento de muito dinheiro na campanha e praticamente não existem grandes órgãos de mídia que não sejam controladas pelos principais conglomerados financeiros do mundo. Fala-se aqui da política em nível mundial, não somente no Brasil.
Há quem fale, como Bauman, que chegamos ao "grau zero da política", ou seja, o instante a partir do qual os políticos não conseguem desenvolver políticas verdadeiramente necessárias ao bem-estar da população. Somente se legisla nesse sentido se houver coincidência com interesses das corporações.
O Brasil não é diferente. Uma das principais razões, senão a principal, para o sistema político brasileiro ser ineficiente em relação às demandas da população é a extrema influência do poder financeiro. E todo político, sem exceção, fica sujeito a essa influência maligna ao ingressar no poder.
Ícones políticos como a suave Marina da Silva ou a rebelde Heloísa Helena, induvidosamente fantásticas mulheres, se chegassem ao poder e insistissem na própria independência, se incomodassem efetivamente o poderio econômico, rapidamente se veriam ante um processo de fritura pela imprensa, com a já conhecida escandalização da política, que culminaria com um impeachment. Ainda que o povo, em socorro às suas heroínas, conseguisse superar o poder de manipulação da mídia e fosse para as ruas defendê-las, o risco de ruptura institucional seria altíssimo.
Com Lula esse processo não chegou ao clímax porque não provocou incômodo de monta no establishment. Com ele existia mais uma preconceito atávico contra as minorias que ele representava em si mesmo.
A questão de fundo, portanto, no que concerne à discussão sobre a retirada do PT do poder - que envolve a corrupção - é ingênua. Saindo o PT, as mesmas práticas serão repetidas por quem entrar, pois já estavam presentes antes dele. Talvez fique um pouco pior, pois o PT, embora sucumbindo à mesma práxis política, pelo menos dirigiu algum foco para a questão social, ao menos em grau mais elevado do que os governos que o antecederam.
A única ação capaz de efetivamente devolver à política a sua capacidade original de encaminhar os projetos da sociedade seria uma reforma política intensa. Não somente no Brasil, mas no mundo todo.
Um dos mais necessários elementos dessa reforma seria a redução drástica da participação do capital na política, principalmente no financiamento das campanhas.
É imprescindível ressaltar que, embora as empresas possuam personalidade jurídica fictícia, como forma de permitir suas interrelações, elas não são pessoas de fato. O direito de votar e ser votado é exclusivo da pessoa humana, dos cidadãos, pois são as pessoas que sofrerão os efeitos da política. Empresas não possuem sentimentos e nem necessidades básicas reais.
Se é assim, qual a justificativa para as empresas, não somente participarem do processo político, mas participarem em condição privilegiada, na forma de doações milionárias, em relação ao verdadeiro destinatário e beneficiário do processo, o cidadão? Está claro que a empresa que injeta dinheiro na campanha não está preocupada com o bem-estar da população, com investimentos em saúde e educação, por exemplo, mas objetiva um retorno posterior na forma de lucro.
Aliás, empresas não querem saúde, educação e segurança públicas eficientes, pois existem empresários que dependem dessas carências públicas para vender seus produtos à população. Coveiros dependem da morte.
Não importa se feita pelo Congresso ordinário ou por parlamentares eleitos exclusivamente para esse propósito, impõe-se a reforma política como meio de depuração política. Não há dúvida, contudo, que a pretensão de alcançar uma reforma política eficiente se levada a efeito pelos políticos já eleitos parece ser apenas ingenuidade. Políticos eleitos pelo sistema não possuem interesse algum em modificá-lo, pois foram por ele beneficiados. Em time que está ganhando não se mexe, pelo menos não tanto quanto seria necessário. Sob tal visão, a proposta da constituinte exclusiva, com as devidas salvaguardas para que ela não avance sobre outros assuntos, apresenta-se como mais inteligente, sendo eleitos pessoas somente para esse fim, sem comprometimento com o sistema atual.
Portanto, o primeiro alvo de uma reforma política deve ser pôr fim a toda e qualquer doação empresarial para as campanhas eleitorais.
Porém, é necessário mais. É preciso pensar no financiamento totalmente público de campanha, impeditivo de que grupos organizados de pessoas ricas continuem a influir decisivamente na política. Caso a opção seja por um sistema misto, público e privado, impõe-se um limitador para as doações individuais, em valor não muito alto, de forma a equilibrar o direito de voto entre ricos e pobres.
Há que se estabelecer um teto de campanha, com gastos variando desde o maior dos cargos eletivos, para a presidência da república, até o menor, para vereador. Assim, hipoteticamente, a candidatura a senador somente poderia implicar em gastos de campanha no valor X, enquanto a de deputado federal seria menor, por exemplo, a metade disso ou um terço. Essa medida, além de impedir a transformação das campanhas em espetáculos degeneradores dos objetivos da política, tornaria mais justa a disputa entre uma pessoa com poucas posses e outra rica e disposta a investir a própria fortuna na candidatura.
É necessário acabar com os suplentes de senador que não recebem qualquer voto e assumem o cargo. O segundo colocado para o senado deve assumir caso o senador eleito deixe o cargo vago por qualquer motivo.
Existem diversas sugestões para a reforma política, como a que pretende o fim do voto proporcional, que permitiu, por exemplo, que os votos do Tiririca elegessem vários outros deputados que individualmente quase não tiveram voto algum. São coisas a serem pensadas.
A principal reforma, contudo, a que possui o poder de transformar radicalmente a realidade política do país e de onde quer que seja adotada, é a exclusão do poder financeiro das campanhas eleitorais em conjunto com o teto de campanha.
São mudanças capazes de reconduzir o compromisso dos políticos e o objetivo da política à sua origem e justificativa, que é o interesse do cidadão e, via de consequência, da nação.

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