quarta-feira, 20 de março de 2013

Segue em paz, Emílio!


O mundo, como representação da percepção individual do viver, é uma experiência subjetiva única. Cada pessoa contém em si um mundo próprio, singular, inigualável.
Cada um de nós existe num plano de experiência exclusivo, como fosse um palco montado com um cenário específico. Atuamos como protagonistas de nossas próprias peças, ladeados por um conjunto distinto de atores, as pessoas que entram em nossas vidas e a influenciam de alguma forma. Em certas situações, o cenário e o conjunto de atores podem ser parcialmente compartilhados por mais de uma pessoa, um dos outros atores. O palco, porém, jamais. Por que?
Porque a trama do que somos se desenrola dentro de nós e é lá que se localiza esse palco íntimo que chamamos alma, espírito ou consciência. O palco é o nosso mundo de experiência, mas não é, como pode parecer, o mundo material no qual vivemos, fora de nós. Esse mundo externo é apenas um grande teatro permeado por infinitos palcos que, vez ou outra, se tocam e misturam suas peças por alguns instantes.

O palco é onde nossas comédias e nossas tragédias se apresentam. Onde se desenrolam nossos romances. Onde atuam, lado a lado, toda sanidade e toda loucura.
Recebemos um pequeno palco inseguro ao nascer. A vida o modifica aos poucos, por vezes sem nosso controle. Temos, porém, o poder de transformá-lo, de consertá-lo. Nada de muito dramático, mas que pode se revelar essencial. Um pouco de verniz intelectual aqui, um pequeno prego de sabedoria ali, um pedaço de tábua de equilíbrio acolá, e deixamos o palco em condições de continuar o espetáculo.
Contudo, como tudo na existência, um dia não mais é possível prosseguir na apresentação da peça. O palco se exauriu, não há mais conserto possível. Aos espectadores que ficam, que eram também o elenco auxiliar, somente cabe a lembrança do protagonista de uma peça que jamais será reencenada.
Com um pouco de sorte, isso não ocorrerá de súbito, violentamente, mas suavemente, aos poucos, quase imperceptível. O cenário vai perdendo cor, desmanchando suas peças, cedendo à marcha irrevogável do tempo. Atores deixam de se apresentar, o figurino rasga, adereços de cena caem.
A morte, não ocorre num único e formidável dia, senão pouco a pouco, a cada dia, a cada pessoa que se vai, a cada porta que se fecha das casas que frequentávamos. Segundo Kafka, a morte é um processo penal de cuja acusação estamos inscientes.
Essa semana deixou o palco mais um dos atores que compunham o elenco da minha vida.
Segue em paz, Emílio Santiago.

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