quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O animal interior

Afinal, qual o elemento de dominância em nossas ações, os hábitos da cultura ou os instintos da evolução?
Trata-se de questionamento para o qual não há unanimidade entre os pensadores simplesmente porque é praticamente impossível aferir a real motivação subjacente a cada ação humana.
Em termos meramente evolutivos, e considerando a origem comum de todos os animais e a consequente evolução comum dos instintos, dificilmente alguns milhares de anos de cultura se imporão profundamente sobre cerca de um bilhão de anos de reações instintuais.

Como exemplo, a sede de lucro que impulsiona o capitalista moderno nada mais representa, sob uma nova roupagem cultural, do que a realização do instinto animal de comer o máximo possível da caça abatida hoje, pelo receio da fome de amanhã, se possível com acumulação de parte da caça, em algum lugar escondido, para o imprevisível futuro.
Num outro exemplo, tem-se que a vontade sexual de trair, que acomete em algum momento grande parcela dos seres humanos, ainda que muitos resistam ao impulso, certamente decorre do instinto natural de disseminação genética. A infidelidade, nesse sentido, é mais natural do que a fidelidade monogâmica, inclusive porque a variabilidade genética é mais saudável para as espécies do que a endogamia.
São vários os indicadores de que as ações humanas se pautam mais em função de suas reações instintuais do que pelos modelos culturais adquiridos. Basta uma passeada de carro no trânsito das grandes cidades para verificar. A agressividade animal permeia cada avenida engarrafada, cada estacionamento lotado, cada fila comprida, cada mercado entupido.
O que leva um doutor a sair no tapa porque levou uma "fechada" no trânsito? Culturalmente ele é sabedor das regas da civilidade, da urbanidade, do império da legalidade e do monopólio da justiça pelo Estado. Ainda assim, apesar de adestrado e doutrinado durante toda a vida, ele é compelido a dar uns sopapos naquele que, segundo sua ótica, é um mau motorista e atrapalhou a sua vida por alguns minutos. Nada há de racional ou lógico nisso. Trata-se de seu animal interior gritando e assumindo o controle, determinando que contorça a face e arreganhe os dentes para o perigo.
Não se trata de apologia ao uso irrestrito dos instintos em desfavor dos hábitos culturais, mas de evidenciar que, ao menos por enquanto, ainda somos animais quase irracionais andando sobre duas patas e quatro rodas e pensando ser capaz de dominar os instintos.
Lemos Kant, é verdade, mas ainda uivamos para a lua.

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