domingo, 22 de abril de 2012

O documentário "Lixo Extraordinário"

Finalmente, depois de long, long time, assisti ao documentário "Lixo Extraordinário".
Para quem dele não ouviu falar, trata-se de um belíssimo documentário, com produção executiva do grande diretor Fernando Meirelles, que retrata o trabalho que o artista brasileiro radicado em Nova Iorque, Vik Muniz, realizou em parceria com os catadores de lixo do lixão de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias.
Vik Muniz é um desses artistas brasileiros que ninguém conhece no Brasil mas é super-popular no exterior, sendo considerado mesmo um dos maiores artistas plásticos contemporâneos.
No aterro sanitário, Vik manteve estreito contato com alguns dos catadores de lixo, inclusive com suas lideranças, e deles fez retratos gigantes a partir de material retirado do aterro sanitário. Ou seja, fez arte com lixo.
Não vemos, no documentário, nada além daquilo que já fartamente sabemos. A existência de seres humanos vivendo em condições abaixo de qualquer linha imaginária que nos divida em classes sociais. Vivendo como neandertais coletores do que encontram pela frente. Pior que isso, sobrevivendo das sobras do que somos nós, de nossos dejetos mais sórdidos, revirando nosso lixo para descobrir nossa superfluidade e dela usufruir do que possível.
Ainda assim, a crueza das imagens emociona. As lágrimas visitaram-em em vários momentos.
E não somente de tristeza, como também de alegria pela constatação de que essas mesmas pessoas, assim que uma oportunidade lhes é dada, são capazes de transformar a miséria de suas próprias vidas em deleite para a visão deles próprios e dos privilegiados.
A visão daquelas pessoas construindo algo de belo, as imagens delas próprias, com o sujo material que, no dia a dia, provavelmente abominam, é muito, muito, emocionante.
E como ficaram felizes ao descobrirem a própria capacidade de transformar o lixo em arte, o sujo em limpeza, a vileza do abjeto na categoria de beleza da arte, o indigno, o dejeto, em abnegação, em construção e em boa fortuna.
E é interessante essa minha surpresa em redescobrir o exaustivamente sabido e consabido, como se nunca tivesse tido conhecimento das iniquidades que pesam sobre os pobres, os miseráveis do mundo. Isso se deve, claro, à conveniente amnésia que temos sobre os fatos que nos desagradam e sobre os quais temos pouco apetite para o justo enfrentamento. O fingido desconhecimento nos expia de nossa omissão. Com ele, somos desobrigados de encarar nossa fraqueza, nossa pusilanimidade ou, talvez, a impotência que nos deprime.
Seja por qual motivo for, nós permitimos que essas coisas continuem a acontecer sem que tomemos nenhuma iniciativa.
Como o sábio vice-presidente da associação dos catadores de lixo de Gramacho disse "noventa e nove não é cem", querendo com isso dizer que mesmo uma só lata reciclada colabora para o bem estar social e o equilíbrio ambiental.
Do mesmo modo, a contribuição de um só indivíduo para a solução do problema da miséria, ainda que frágil, nunca será absolutamente ineficaz e sempre trará algo de positivo, ainda que para uma única pessoa necessitada nesse mundo.
O documentário nos faz pensar sobre a legitimidade de nossos confortos ante a existência de miseráveis nos quatro cantos do planeta. E também sobre se cada um de nós, que tivemos sorte, não mais que sorte, de vermo-nos livres desse destino, não temos um compromisso de devolver ao menos um pouco dessa sorte para os que dela se viram desprivilegiados.
O que podemos, cada um de nós, fazer para melhorar um pouco o nosso mundo?
Essa é a pergunta que insistimos, não somente em não responder, mas sequer em nos fazer.

A obra: montagem de Vik Muniz, denominada "Sebastião", produzida a partir do lixo recolhido no aterro sanitário de Jardim Gramacho. A obra retrata Tião, o presidente da Associação dos Catadores de Lixo. 

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