No
mês de junho de 2009, dois delegados da Polícia Civil do Estado de
São Paulo, os policiais Eduardo Henrique de Carvalho Filho e Gustavo
Henrique Gonçalves, ambos da Corregedoria da Polícia, com apoio de
duas policiais militares, algemaram e tiraram, à força, a calça e
a calcinha de uma escrivã que era investigada pelo crime de
concussão.
As
imagens estão no Youtube. Para quem quiser assistir, o endereço é
http://www.youtube.com/watch?v=tZxFxABQ4Lw.
Antes
de ser despida, a escrivã implorou, durante quase cinquenta minutos,
que fosse revistada por policiais femininas, pois não queria ficar
nua na frente de homens.
O
episódio ocorreu dentro do 25ª Distrito Policial, que fica na rua
Humberto Ravello, nº 9, em Parelheiros, zona sul da cidade. A sede
da Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo localiza-se na rua da
Consolação, nº 2333, na Consolação.
Uma
consulta no Google Maps revela que, entre um e outro, há trinta e
sete quilômetros e cerca de uma hora.
Um
percurso de uma hora separou a escrivã de sua dignidade.
Em
certo ponto, já impaciente, um dos delegados determina que a escrivã
seja algemada. Logo após ser algemada, a escrivã é moralmente
estuprada, com a retirada de sua calça e de sua calcinha, enquanto,
infantilmente, grita “vai aparecer minha periquita, vai aparecer
minha periquita”.
Logo
após ser despida, ela balbucia, quase sem voz, “não acredito que
estou nua”.
Tudo
isso ocorreu dentro de uma delegacia de polícia da maior cidade
desse país.
Acho
que todos nós nos lembramos da decisão do Supremo Tribunal Federal
que proibiu o uso de algemas. Segundo a Súmula Vinculante nº 11 do
Excelso Tribunal, somente é lícito o uso de algemas em casos de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade
física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da
autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se
refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Observando
o vídeo da prisão da escrivã, em nenhum momento ela resiste à
prisão ou mesmo à revista, somente implorando por revista feminina.
Tampouco oferece ela qualquer risco à si ou aos policiais. No
entanto, foi algemada.
As
algemas, percebe-se claramente pelo vídeo, foram colocadas para
facilitar o trabalho do delegado no ato de despir a escrivã. Não
havia resistência à prisão, havia resistência a um procedimento
de produção de prova.
Motoristas
podem se opor ao bafômetro. A lei não autoriza que um motorista
alcoolizado seja algemado para possibilitar que um bafômetro seja
enfiado em sua boca.
Todavia,
ao menos em São Paulo, parece que é permitido aos policiais algemar
mulheres para despi-las em busca de provas e evidências da prática
de crime.
Logo
após as algemas, a vergonha.
Diz
o artigo 249 do Código de Processo Penal, que a revista em mulher
será sempre feita por outra mulher, somente cabendo exceção no
caso de a convocação de agente feminina importar retardamento ou
prejuízo à diligência.
O
delegado ficou quase uma hora tentando convencer a escrivã a ficar
nua na sua frente, praticamente o mesmo tempo que demandaria conduzir
uma policial feminina da Corregedoria à delegacia.
É
interessante observar, nessa barbárie, que o chefe da Corregedoria
da Polícia Civil de São Paulo é uma mulher, a delegada Fernanda
Paiva Nunes Marreiros Marques.
Fico
imaginando se ela, num gesto de alteridade, imaginou-se no lugar da
escrivã, tendo as calças arrancadas à força por policiais homens.
Reparem
que não falei sobre o suposto crime atribuído à escrivã. Foi de
propósito.
Ainda
que alguém pratique um crime, isso não autoriza qualquer policial,
muito menos delegados de polícia, a violentá-lo física ou
moralmente.
Um
procedimento instaurado na Corregedoria isentou os delegados de
qualquer culpa, mesmo existindo um vídeo comprovando o excesso. O
crime da escrivã foi aparentemente comprovado e ela foi demitida.
Contudo,
a escrivã, ao gritar o seu direito de não expor sua "periquita",
na verdade pôs a nu os delegados de polícia do Estado de São
Paulo.
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