terça-feira, 19 de outubro de 2010

Machado, Rubião e Sofia


Estive relendo Machado de Assis num desses dias chuvosos.
Há quem reclame de dias chuvosos. Não eu. Acho dias chuvosos indispensáveis. Ás vezes nossas agendas estão repletas de compromissos sociais que não queremos cumprir mas temos que cumprir para não magoar alguém querido. Dias chuvosos são uma ótima desculpa para faltar a esses compromissos e ficar em casa lendo, assistindo um filme, refletindo ou simplesmente fazendo nada, nem pensando. Nossos espíritos se engrandecem depois de dias chuvosos.
Pois num dias desses reli Machado, Quincas Borba. Para quem não leu, faço um rapidíssimo resumo: o livro conta a história de Rubião, um ex-professor primário de Barbacena que, em outro livro de Machado, Memórias Póstumas de Brás Cubas, torna-se enfermeiro e discípulo de um filósofo chamado Quincas Borba. Quincas Borba falece e deixa toda sua fortuna para o discípulo Rubião. Rubião resolve vir para o Rio de Janeiro. Na viagem, conhece um casal, Cristiano e Sofia, e se apaixona pela Sofia. Cristiano, percebendo o interesse por sua mulher, manobra para aos poucos ir consumindo toda a fortuna de Rubião. Nesse processo, Rubião vai enlouquecendo. É basicamente isso.
Machado, que dispensa qualquer comentário, é simplesmente fantástico. Ele descreve a forma com que Sofia vai enredando em sua teia o ingênuo Rubião, fazendo-lhe pequenas delicadezas, lançando-lhe olhares vagos mas significativos, enfim, fazendo-lhe uma corte sutil. Mas essa “conquista” não era por Rubião, mas por seu dinheiro.
O bom em Machado de Assis é que ele pega uma coisa banal e corriqueira e a transforma em literatura. Nesse romance, Machado é mordaz ao dar o nome de Sofia à principal personagem feminina. Sofia, como se sabe, deriva do vernáculo grego para sabedoria. No romance, nossa Sofia sobra em esperteza, não em sabedoria.
A atitude da Sofia machadiana, de utilizar a sedução para a conquista de interesses materiais, é encontrada na realidade o tempo todo e não é praticada somente por mulheres. Possivelmente todos conhecem pessoas que se encantam com o dinheiro ou a posição de alguém.
Cristiano era mais sincero com seus sentimentos. Era um aproveitador e sabia disso, usando seu “talento” para ganhar dinheiro. Mas Sofia, não. Sofia mentia para si mesmo e para os outros à sua volta, sem se dar conta. Enxergava-se como casta e fiel, mas deixava-se flertar com esse ou aquele poderoso, como Rubião por exemplo. E se a tal pessoa fosse mais direta, como Rubião ousou ser, ela recuava, como uma pudica. Sua castidade, porém, simplesmente esvanecia por completo se ela também se interessasse pelo homem.
Esse tipo de pessoa costuma encantar. São falsas, não expressam o que sentem e apreciam, nas outras pessoas, não o que elas possuem em seu interior, mas o que elas ostentam materialmente.
As Sofias da vida constroem uma personagem e levam a vida atuando nesse papel. Intimamente, todavia, sabem que não são aquilo que representam. O que talvez não saibam, ou finjam não saber, é que nem todas as pessoas são enganadas pela personagem, que algumas não gostam da atuação.
Nem todos nós somos ingênuos Rubiões. Graças a Deus.
Postagem original em 18/11/2006, com leve lapidação em novembro de 2014.

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